Segue uma narrativa da bad:
Deitado numa maca no pronto-socorro do hospital e já medicado e esperando os resultados dos exames para saber o que era o motivo de tanta dor nas costas e no peito esquerdo, começo a ver uns 4 ou 5 enfermeiros e enfermeiras me rodeando. Enquanto isso, chega a médica plantonista e fala:
- Tiago, precisamos conversar!
Eu vi ela puxando uma cadeira pra ficar do meu lado e senti picadas de injeções de anticoagulantes na barriga e pensei:
- Isso só pode ser coisa séria.
A médica continua e sem rodear já foi direto ao assunto:
- Você tem pneumonia e suspeitamos que tenha algo pior no pulmão. Por isso, você ficará internado talvez na UTI.
Foi o primeiro gol de uma goleada sofrida naquela semana. Trabalhando muito, a primeira coisa que pensei era ter que pedir afastamento do trabalho e perder dinheiro (estupidez...eu sei...mas foi o que senti). Chamei meus pais e comuniquei que dali não sairia e ficaria no hospital. Não mencionei a UTI pq achei que era muita bad trip pra falar por WhatsApp. Depois de horas esperando a liberação do convênio para a internação, finalmente realizo o exame necessário: Uma tomografia com contraste. O diagnóstico: tromboembolismo pulmonar. Esse foi o segundo e o terceiro gol da goleada juntos.
Se você não sabe o que é essa doença é o seguinte: um coágulo se formou na minha corrente sanguínea (não se sabe ainda de como surgiu) e virou uma roleta russa dentro do meu corpo. Ou seja, ele podia parar em qualquer lugar e decidiu parar no meu pulmão esquerdo. Bloqueou a minha passagem de ar e me causou uma dor nas costas e no peito esquerdo além de uma falta de ar como se eu tivesse afogando. As consequências foram dois dias internado no hospital (no quarto e não na UTI pq meu corpo reagiu muito bem aos medicamentos e não precisei ficar sendo monitorado o tempo todo), não ter mais o controle do meu corpo e por isso depender de um remédio que talvez usarei por um bom tempo para me manter vivo, ser agora grupo de risco de qualquer doenças que envolvem o trato respiratório (inclusive a Covid-19) e sustentar uma bad trip mental sem tamanha até hoje. Esses foram o quarto gol sofrido.
Quando estava internado, não tinha a noção do que aconteceu e nem da gravidade da questão mesmo vendo a preocupação da minha família, amigos e namorada. A médica responsável do hospital veio até o quarto e veio falar comigo. Percebeu que eu estava com um semblante normal e perguntou:
- Acho que vc não tem ideia da gravidade do que aconteceu contigo.
Respondi que não e ela:
- Quando vc receber alta, sua ficha vai cair.
Era uma terça feira de manhã, eu assistindo American Chopper, ela entra no quarto segurando os papéis da alta e os laudos de todos os exames que fiz e diz:
- Tiago, vamos pra casa?
Me levantei igual uma lontra cheirada, me troquei, assinei todas as papeladas da alta, agradeci todos e todas que cuidaram de mim e esperei meu pai vir me buscar. Na minha cabeça, a bad bateria um tempo depois, porém ela veio igual um buffalo quando entrei no carro e estava indo pra casa. Foi no caminho pra casa que senti o quinto e o sexto gol da goleada.
Aquele dia foi todo choroso pra mim. Queria ficar em silêncio, não suportava a ideia de não ter o controle do corpo e ser mais vulnerável com apenas 29 anos. Foi a segunda vez que enfrento uma situação de vida ou morte. Na primeira vez eu tirei de letra. Dessa vez eu sofri mais. Muito mais. Fiquei incrédulo e se pá estou até hoje.
Porém, a primeira coisa que fiz quando cheguei em casa foi ir ao quarto das latas. Fiz sem pensar. Não tive a consciência de que estava indo lá e só prestei atenção quando me peguei de frente com elas. Quando tô na bad, uma coisa que eu faço é ficar do lado de uma das estantes e reparar, com os meus meros 1,80m de altura, o quão altas são as estantes que suportam todas as latas e me sinto abraçado e acolhido.
Essa lata que escolhi (presente do meu amigo Eduardo) ilustra esse texto não só pq o assunto foi vida e morte, mas sim, pelo momento que vivemos hoje de pandemia (me desculpa se isso é macabro).
A última coisa que queria relatar é que no primeiro dia em casa depois das alta, eu estava assistindo Moneyball com o Brad Pitt e tem uma cena que ele fala que o importante não era, necessariamente e tão somente, as vitórias conquistadas, mas sim, o legado o qual vc quer deixar quando partir ou o que vc agregou para aquele momento histórico além de ter vitórias ou derrotas. Ele conclui que ele queria fazer algo que importasse. O meu legado seria, se eu tivesse partido, toda a minha coleção que por mais que possa parecer simplória e materialista, ela seria meu legado, minha construção e meu mundo. Foi nesse momento que senti que a goleada devia parar e começar a reagir, embora tenha noites que ainda perco.
Agora estou bem. Não terei sequelas no coração e no pulmão e terei cuidados diferentes pro resto da vida.
Obrigado por ler e deixo o link da cena do filme: https://youtu.be/IgKQ8z_xNhk.